O streaming e o futuro dos filmes
Texto de Lucas de Alvarenga Bueno
São inegáveis as mudanças no consumo e na produção de cinema desde o ano 2000. Pessoas que viveram há pouco tempo jamais imaginariam que seria possível assistir a um número praticamente ilimitado de filmes no computador pagando uma taxa mensal e, com a pandemia, os serviços de streaming ganharam ainda mais força.
As novidades são muitas e as plataformas disponíveis numerosas, talvez até assustadoras. As gigantes Netflix e Amazon Prime Video têm oferecido produções originais, caras, e muitas vezes destemidas (em seu uso de violência e da liberdade artística concedida aos realizadores) para o mercado da TV ou das salas de cinema, estratégia que está parece estar funcionando. O Mubi e o nacional Petra Belas Artes são serviços que disponibilizam filmes mais cult, voltados ao público cinéfilo. O também brasileiro Looke conta com produções da Globo para impulsionar o seu catálogo.
A Disney já garantiu seu imenso catálogo no Disney+. A Apple também lançou seu próprio serviço de streaming. Diversos estúdios de cinema e emissoras de TV correm para firmar acordos com serviços já existentes ou pretendem lançar suas próprias plataformas digitais - como a Globoplay no Brasil.
Está claro que a tendência para o consumo de mídia audiovisual no futuro é a expansão do uso do streaming em detrimento do tradicional cinema. A gigante Disney optou por lançar o blockbuster Mulan (2020), reimaginação do clássico animado, direto no seu serviço por assinatura na internet, depois de ter avaliado os riscos de adiar por mais tempo ou de uma distribuição limitada em salas de cinema. Esse caso não tem precedentes, sendo considerado uma das mais arriscadas manobras dos últimos anos, já que o investimento para o filme foi de mais de duzentos milhões de dólares e o retorno com streaming nem sempre alcança metas tão exorbitantes. Seria como lançar o novo “Vingadores” por streaming somente.
Por outro lado, as consequências para o cinema como forma de arte com a ampliação do consumo por plataformas digitais em casa têm sido debatidas incansavelmente por cineastas americanos. Christopher Nolan, diretor de Tenet (2020), conseguiu adiar o lançamento de seu filme até a situação da pandemia melhorar em certas partes dos Estados Unidos. Assim, garantiu que o filme fosse visto nas salas de cinema, com tela grande e sistemas de som apropriados para uma experiência sensorial que, segundo ele, é necessária.
O debate é ampliado ainda mais quando são levados em conta cineastas mais independentes ou em início de carreira. Serviços de streaming podem ter infinitos filmes catalogados e isso pode parecer uma oportunidade imperdível para cineastas que não conseguem uma grande distribuição de sua arte no mercado desigual das salas de cinema. Porém, como apontado pela diretora iniciante Lulu Wang (A Despedida, 2019), serviços de filmes por assinatura pretendem acima de tudo construir uma marca. Mais tempo e dinheiro são concedidos a diretores já conceituados (como foi o caso com Scorsese em 2019 e Kaufman em 2020), enquanto produções menos chamativas podem facilmente ficar perdidas em catálogos imensos. O streaming não é, portanto, um mercado livre de desigualdades, como muitos presumem. Apesar de ser menos elitista do que as salas de cinema atuais, trata-se ainda de um jogo de muita sorte.
A imensa variedade de plataformas disponíveis também traz outras questões além das artísticas ou econômicas. Apesar de teoricamente alimentarem um mercado diverso e saudável, as muitas possibilidades de escolha podem ter um efeito psicológico negativo nos espectadores, como em diversas outras esferas do consumo moderno. O efeito desanimador causado por um número ilimitado de escolhas na hora das compras é uma tendência observada por Alvin Toffler, já falecido autor americano. Na prática, um consumidor que tem a necessidade de assinar ainda mais um serviço de streaming para assistir a um filme pode mais facilmente recorrer à pirataria, desanimado pelos muitos serviços existentes.
A partir daí, diversas questões mais complexas e filosóficas podem ser levantadas sobre essa digitalização quase completa do cinema. É discutível, por exemplo, se o desuso da mídia física é uma evolução orgânica e inevitável ou se o palpável (o DVD e o CD) é mais importante para os humanos do que muitas vezes pensamos. Também pode ser discutido o imediatismo presente na sociedade atual, a constante busca por entretenimento rápido e acessível, assim como os motivos dessa busca. Mas, pensando bem, pouco efeito tem essas discussões já que, na prática, o mundo digital veio para ficar. Trata-se agora de deixar o ambiente virtual realmente mais democrático para os produtores mais independentes.
Uma última questão que coloco aqui é sobre a própria linguagem do cinema, que desde seu surgimento na última década de 1800 tem passado por constantes mudanças de acordo com diferentes autores, culturas e tecnologias. É de se esperar que toda essa geração que está crescendo com filmes em telas menores pense de outra maneira sobre enquadramento e linguagem cinematográfica em relação a cineastas anteriores. Não é absurdo especular que mais coisas mudarão no futuro, mais mudanças em meio a tantas outras.
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