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Lucas Bueno

O Perigo que Corre a Cinemateca e a Cultura Brasileira


Texto de Lucas Bueno



Durante a bela época do cinema brasileiro (1907-11), os filmes mais aplaudidos nas sessões eram os nacionais. Nos anos 1800, mesmo antes da independência, os jardins botânicos e museus inaugurados por Dom João VI eram motivo de orgulho entre os visitantes. Já no século XXI, observam-se museus vítimas de incêndios e uma lenta morte do patrimônio cinematográfico do Brasil, culminando no ano de 2020.


Após anos de descaso governamental, que deve mais de 14 milhões de reais à instituição, a Cinemateca brasileira chegou a seu limite em 2020, tendo que recorrer à demissão dos funcionários e o abandono de duzentos e cinquenta mil filmes históricos em película no meio da pandemia. Tal cenário gerou apreensão por todo o setor cultural no país e até no mundo, como demonstrado pela fala de apoio do diretor do festival de Cannes na última semana. Trata-se de todo um legado do audiovisual brasileiro de mais de cem anos sendo negligenciado.

Funcionários da Cinemateca denunciaram falta de salário durante meses. O cenário piorou com o fechamento total do local, que conta com laboratórios climatizados essenciais para a preservação das películas cuidadosamente armazenadas, deixando-as vulneráveis a danos e incêndios.


Apesar de estudos feitos pela FGV em 2018 comprovarem o retorno benéfico à economia brasileira de investimentos em eventos culturais, o setor tem sido alvo de críticas por uma parcela mais conservadora da sociedade, que enxerga um desperdício de recursos públicos em instituições como a ANCINE (principal financiadora de projetos de cinema e estagnada desde o governo Dilma). Assim, é ignorado o poder do setor cultural de gerar empregos e movimentar a economia.

O ex-ministro Weintraub, junto com o presidente Bolsonaro, iniciou uma guerra ideológica que prejudicou ainda mais o debate. A cultura se tornou, na internet, uma pauta defendida pela “esquerda”- polarização que atingiu outras diversas discussões sociais ao longo da última década. O pensamento reacionário que vêm sido adotado por parte dos internautas combate a própria apresentação de certas pautas exploradas no mundo das artes (como o feminismo ou a liberdade sexual), e acabou por declarar uma guerra a diversas manifestações culturais.

Grupos mais liberais defendem o poder do mercado sem assistência da união, ignorando a necessidade do setor cultural, no estado atual, de competir com grandes produções estrangeiras ou mesmo patrocinadas por grandes emissoras. Uma grande produção de cinema ou teatro americana pode custar centenas de milhões de dólares, com agressivas campanhas de marketing que custam tanto quanto os filmes ou peças em si. No Brasil as maiores produções das grandes emissoras custam até doze milhões de dólares. Sem os financiamentos tradicionais e o apoio legal, o mercado brasileiro tende a ficar mais diminuto econômica e artisticamente.

Falta mencionar produtores independentes, que passam por dificuldade ainda maior de produzir e distribuir suas artes. Peças de teatro pequenas são interrompidas, filmes independentes não saem do chão – muitos acréscimos ao cenário cultural do Brasil que não vão mais existir, bem como os filmes da cinemateca que correm o risco de serem acidentalmente incendiados.

Não há dúvida em relação à riqueza cultural do Brasil. Mas em uma época em que todos são constantemente bombardeados por marketing estrangeiro, e depois de anos acumulados de negligência governamental com a cultura brasileira, uma pandemia global foi o que levou a uma reflexão mais ampla sobre a luta pela preservação do patrimônio nacional. É imprescindível que esse cenário de descaso mude - para o bem de artistas e técnicos que vivem um cenário nada promissor.

O mercado da cultura sempre foi sinônimo de resistência e, na esfera individual, divulgar artistas brasileiros, artigos e petições a favor da preservação da identidade cultural do Brasil é uma ajuda legítima. Porém, considerando até o contexto de pandemia, a mudança real está no âmbito político, sendo necessário pressão popular por maior apoio governamental aos setores das artes e cultura espalhados por todo o território nacional.


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