O contraste da "geração em branco"
Qual foi o legado das mulheres negras nos primeiros anos da cultura punk?
Os anos de 1976 a 1982 foram marcados pelo início da cena punk. Após esse período, a onda entrou em declínio e se reinventou em diversas ramificações como o street punk, o hardcore, o pós-punk e o anarcho-punk.
Embora tenha raízes negras, desde Death, banda pré-punk de Detroit, passando pelo Pure Hell, tidos como pioneiros do estilo, e desembocando nos Bad Brains, que criaram a vertente hardcore, a primeira onda punk era majoritariamente branca.
As mulheres, embora mais representadas que o conjunto dos negros, também eram minoritárias. Muitas das bandas da cena punk lideradas por mulheres inclusive destoam do som típico das bandas masculinas, sendo anacronicamente classificadas como pós- punk.
No entanto, o X-Ray Spex, liderado pela contagiante Poly Styrene, despontou entre os punks ingleses com seu famoso grito de guerra “some people think little girls should be seen and not heard, but I think ‘oh, bondage, up yours!’” (“Algumas pessoas pensam que as garotinhas devem ser vistas e não ouvidas, mas eu penso ‘oh, enfia as amarras no c*!’”, em tradução livre). A banda lançou dois álbuns de estúdio, sendo que o primeiro, de 1978, tornou-se uma febre entre os jovens ingleses. Muito provavelmente por conta da sua postura crítica, o disco não foi lançado nos Estados Unidos.
O som de saxofone aliado à voz estridente da vocalista surpreendem todos que ouvem. Além disso, todas as canções apresentam críticas bastante sarcásticas à sociedade. É uma clássico feminista e é facilmente encontrado nas plataformas de música de hoje.
Do outro lado do atlântico, no Max's Kansas City e no CBGB, o lar-doce-lar do punk rock novaiorquino, surgiu o Nasty Facts, no finalzinho dos anos 70. Em 1981, lançaram o único vinil, com 3 faixas sensacionais: Drive My Car, Gotta Get To You e Crazy Bout You. Cherl Boyze era a baixista, vocalista e compositora. Reconhecida como ativista da causa LGBT, hoje é conhecida como King TuffnStuff.
O som da banda é um power pop com guitarradas agressivas, uma das melhores coisas produzidas naqueles tempos. Pra quem gosta de um punk rock viciante, essa é a música certa. John Peel, o famoso radialista da Radio One, tocava o único EP do grupo com frequência em seu programa. Mas, como tudo que é bom dura pouco, o conjunto se desfez sem deixar mais material de estúdio. É possível encontrar mais duas músicas gravadas ao vivo, que foram disponibilizadas em mp3 no antigo site da banda, que são All Half Yours e Nastyfacts. http://www.kbdrecords.com/2006/09/16/nasty-facts-drive-my-car-ep-7/
Voltando alguns anos, em plena explosão punk de 1977, na costa oeste dos Estados Unidos, os Controllers foram formados com a performática Karla Maddog na bateria. É difícil saber por quê, mas Los Angeles tinha sido tomada por bandas punks mesmo antes da chegada dos primeiros discos dos Ramones ou dos Sex Pistols nas lojas. O grupo lançou o single Neutron Bomb em 1978 e participou de algumas coletâneas com bandas da região. Não deixaram um álbum completo durante a carreira, mas em 2000 foi lançada uma coleção com todas as gravações da banda, das quais chama bastante a atenção uma regravação da canção de Frankie Laine, Jezebel. https://www.kbdrecords.com/2014/04/09/controllers-slow-boy-e-p-7/
Com o passar dos anos, a contribuição negra e feminina no punk rock foi ampliada, mesmo que continue pequena nesses países centrais. Como vimos, todavia, onde ela aparece é bastante surpreendente pela qualidade e pela ousadia. O estilo transgressor do punk rock influencia até hoje a juventude pelo mundo. A blank generation, como era conhecido a geração primeira geração punk, deve muito a essas musicistas que, 40 anos depois, são menos lembradas que os Joes e Johnnys da vida.
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