Bolsonaro e a Vacina
Por Flora Santos Ah…! Nova semana, novo mês, novas notícias, e, como de costume, novas razões para se decepcionar com o governo Bolsonaro. Para abrir o nono mês do ano, nosso responsável chefe de Estado resolveu dar ao povo brasileiro a notícia de que ninguém será obrigado a tomar qualquer vacina contra a COVID-19. Ótima novidade, não? A Liberdade individual colocada (acompanhada de Deus) acima de tudo na gestão bolsonaro aparece novamente. Mas será que cabe, em um momento de pandemia e crise humanitária, priorizar a escolha pessoal em relação à saúde pública?
Soa um pouco contraditório clamar pela autonomia e, simultaneamente, sair por aí propondo e assinando leis com conteúdos que caminham na direção oposta. Infelizmente, não é de hoje que Bolsonaro se mostra muito contraditório no que diz respeito à suas declarações.
De iniciativa do próprio governo, a Lei 13.979/20, ou “Lei do Coronavírus”, afirma que:“"Para enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do coronavírus, poderão ser adotadas, entre outras, as seguintes medidas: III. determinação de realização compulsória de: d) Vacinação e outras medidas profiláticas”. Ou seja, na situação atual, as autoridades podem obrigar a população a ser vacinada. E o presidente assinou essa Lei.
Henderson Fürst, presidente da comissão especial de bioética e biodireito da OAB Nacional, afirmou que o verbo “poder” no artigo 3º ganha a conotação de poder/dever. “Se não ler como ‘deverão’, o estado estará negligenciando o artigo 196 da Constituição Federal e aí entrará em um estado de inconstitucionalidade por omissão”, diz.
Há também outras legislações que estabelecem a vacina obrigatória. A vacinação compulsória de crianças e adultos pode ser determinada pelas autoridades sanitárias, e o decreto que regulamenta o Programa Nacional de Imunizações prevê, em seu artigo 29, que "é dever de todo cidadão submeter-se e os menores dos quais tenha a guarda à vacina obrigatória".
Além disso, o ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente) prediz que jovens de até 18 anos devem ser vacinados quando há recomendação das autoridades sanitárias, e caso haja descumprimento, há a cobrança de uma de multa de três a 20 salários mínimos para os responsáveis.
Deixando de lado a falta de compromisso com correlações lógicas, vale lembrar que a fala do Presidente também desencoraja a população a praticar um ato coletivo de extrema relevância. Afinal, a vacinação, assim como diversos outros atos, não diz respeito estritamente à individualidade de um ser. A medida faz parte de um processo de possível erradicação da doença, que é o principal objetivo global atualmente.
A SBIm (Sociedade Brasileira de Imunizações) afirma que a vacinação está entre os instrumentos de maior impacto positivo em saúde pública em todo o mundo. É considerada um método inquestionável que contribui para a redução de mortalidade.
Natália Pasternak, microbiologista, pesquisadora do Instituto de Ciências Biomédicas da Universidade de São Paulo (ICB-USP) e presidente do Instituto Questão de Ciência, afirma que a população brasileira possui um histórico de participação ativa de campanhas de vacinação. Se houver brasileiros temerosos em relação à qualquer vacina, cabe ao governo tranquiliza-los com informação correta e não com agrados para uma determinada parcela de apoiadores que tendem a ter opiniões conspiracionistas. Mesmo Bolsonaro não tendo se posicionado contra a vacina em si, mas sobre sua obrigatoriedade, a declaração é perigosa justamente por desincentivar a população à imunização uma vez que esta esteja disponível.
É evidente que a decisão acerca da obrigatoriedade ou não da vacina, ao menos no governo atual, tende a ser tomada com base em razões ideológicas. Visando agradar uma parte de seu eleitorado que costuma acreditar em “teorias da conspiração” e em informações cientificamente incorretas, Bolsonaro age de forma irresponsável, fortalecendo um movimento que rejeita a imunização. Em uma live no dia 30 de julho, o presidente também ironizou a vacina chinesa que está em desenvolvimento, sabendo da existência de um acordo firmado para ser produzida no Instituto Butantan, em São Paulo.
As reações da parcela bolsonarista conspiracionista não tardam a aparecer. Em uma publicação da secretaria de comunicação, foi comentado que a vacina é feita com fetos abortados, informação que claramente se caracteriza como mais uma mentira espalhada pela rede de fake news que parece circundar o presidente.
Outro exemplo da estratégia do presidente de usar a ciência de forma incorreta para agradar pessoas com um determinado viés ideológico está na insistente afirmação de que a cloroquina oferece tratamento eficaz contra a Covid-19, mesmo que estudos mostrem o oposto.
Com todas essas informações, conclui-se que a saúde pública, infelizmente, encontra-se instalada em segundo plano, e cede espaço à crenças individuais e intenções políticas Bolsonaro se cerca de fake news e de apoiadores fiéis, que o defendem feito anti-corpos contra qualquer ameaça a sua soberana palavra. E, vacinado contra a opinião pública, segue governando para poucos e deixando muitos no desamparo médico e, futuramente, econômico.
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