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Cristinara Meirelles dos Santos

Análise do poema O Chamado

Por Cristinara Meirelles dos Santos

O CHAMADO

Na rua escura o velho poeta (lume de minha mocidade) já não criava, simples criatura exposta aos ventos da cidade. Ao vê-lo curvo e desgarrado na caótica noite urbana, o que senti, não alegria, era, talvez, carência humana. E pergunto ao poeta, pergunto-lhe (numa esperança que não digo) para onde vai — a que angra serena, a que Pasárgada, a que abrigo? A palavra oscila no espaço um momento. Eis que, sibilino, entre as aparências sem rumo, responde o poeta: Ao meu destino. E foi-se para onde a intuição, o amor, o risco desejado o chamavam, sem que ninguém pressentisse, em torno, o Chamado.

(Carlos Drummond de Andrade – Claro Enigma, )

Esse poema é parte do livro Claro Enigma, de Carlos Drummond de Andrade. Publicado em 1951, durante a segunda geração do Modernismo brasileiro, pertence à fase mais madura, introspectiva e reflexiva do autor, voltado para questionamentos sobre a humanidade e revelando uma visão desiludida sobre a vida. “O Chamado” se encontra na seção “O Menino e os Homens”, em que Drummond homenageia poetas que já o influenciaram e que ele admira, dentre eles, Manuel Bandeira, citado em um dos versos.


O poema toma como personagem um poeta lidando com as consequências do caminho que aceitou como seu dever no mundo. Fala sobre a profissão escolhida e nos traz uma parte pessoal, que somente um poeta pode descrever e um dia mostrar ao mundo: os poetas são movidos pelo amor e pelo risco e hão de aceitar os rumos de seus destinos.


A primeira estrofe do poema narra o momento em que o eu lírico vê um poeta, em meio a uma rua escura, sem esperança e sem criatividade e lembra de sua mocidade, iluminada por inspirações. O poeta, que antes iluminava, agora está numa rua escura e aceitando que a noite caia sobre ele. Isso mostra um escritor que, diante de tanto caos e trevas, acaba absorvendo os sentimentos negativos e deixa de clarear com suas criações, ficando de braços atados, se tornando frágil e insignificante e aceitando o que o sobrevém. Suas obras não clareiam mais o mundo e não abrilhantam mais sua própria figura.


A segunda estrofe confirma que o personagem, hesitante, se sente em crise, demonstrando, a quem o vê, fragilidade e carência. Em meio ao caos e ao agito da noite urbana, o poeta já está em sua imagem mais velha, curvo e desgarrado. Cabisbaixo e afastado, talvez de si mesmo ou de sua função, o eu lírico sente a carência, provavelmente exalando do poeta, que se encontrava sozinho e desamparado.

Na terceira estrofe, o eu lírico, demonstrando ainda esperança, pergunta ao poeta onde ele pretendia ir, que caminho pensava em seguir, a que lugar calmo e em qual paraíso (Pasárgada) iria se abrigar.


É possível que as últimas duas estrofes estejam revelando o rumo do personagem que pode representar Drummond, Bandeira ou muitos outros escritores que, mesmo tendo dificuldades em tomar uma nova rota para sua escrita, continuam escrevendo por amor, "pelo risco desejado", pelo compromisso ao ofício. Outra possibilidade de interpretação refere-se ao momento em que a morte do poeta o cala, quando ele deixa o plano terrestre e passa para o paraíso pós a morte.


"O Chamado" pode trazer, pelo menos, duas possibilidades de interpretações gerais. A primeira é de que Drummond, através do eu lírico, esteja falando sobre Manuel Bandeira, isso porque cita no último verso da terceira estrofe um dos poemas mais conhecidos do autor (Vou-me embora para Pasárgada). A segunda teoria traz a possibilidade dele estar falando de si mesmo já que, na época em que escreveu Claro Enigma, Drummond já demonstrava certa melancolia e desânimo após anos de militância através da escrita.


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